Nestes dias de quarentena e bandeira vermelha, fui atrás de publicações antigas em blogs que já alimentei. Encontrei os dois artigos que vão abaixo. São de abril de 2009. O mundo ainda não havia compreendido como os americanos tinham eleito o primeiro presidente negro de sua história. Republico aqui porque acho que vale a leitura.
Porque
o marketing de Obama não funcionaria no Brasil (01/04/2009)
Políticos
de todos os partidos têm solicitado pareceres sobre o uso da
internet e outras tecnologias da informação na campanha do
presidente norte-americano Barack Obama. Pelas perguntas que me
chegam, parece ter se criado a ilusão de que o segredo da eleição
esteve mais no uso das novas tecnologias do que na política
desenvolvida pelo senador democrata. Este artigo é uma tentativa de
responder a todos os questionamentos e o uso do formato "pergunta
e resposta" tenta tornar mais leve e facilitar a compreensão do
tema.
Obama
ganhou por causa da internet?
A
questão do uso dos meios modernos de comunicação, no caso de
Obama, acentuou-se ainda mais porque seu opositor, McCain, era um
opositor "analógico". Obama fez uma campanha do século
XXI e McCain do século XX. A questão da linguagem e dos meios
ganhou maior relevância neste contexto.
Mas
Obama não ganhou por causa da internet. Por mais que isso tenha tido
importância, a vitória de Obama não pode ser atribuída ao uso que
ele fez das novas tecnologias de informação e comunicação. Uma
política errada, mesmo utilizando os meios certos, levaria a uma
derrota.
O
que há de radicalmente diferente em Obama é o seu posicionamento, é
o fato dele ser um produto do mundo globalizado. Em termos de
marketing, Obama é um produto novo e uma marca nova na política,
assim como a Microsoft foi uma empresa inovadora nos anos 80 e o
Google é hoje. O fato de Obama ter construído novos canais de
distribuição da sua proposta política é apenas consequência
deste posicionamento.
No
século passado nós tivemos formatos de políticas que se
desenvolveram vinculados às novas tecnologias de então. O nazismo
pôde crescer porque havia o rádio. O populismo é filho dos grandes
comícios, propiciados pela concentração da população nas grandes
cidades. Pode-se dizer que Obama é o primeiro político digital da
história.
O
apoio do Vale do Silício a Obama teria se dado em função disso?
Mike
Davis, editor da New Left Review, usa uma imagem muito apropriada.
Ele diz que o mandato de Obama é uma "presidência do silício".
As empresas de tecnologia "compraram" a candidatura de
Obama, se uniram -e foram unidas- em apoio a ela. Eric Schmidt,
fundador do Google, não saia do lado de Obama na campanha e na
transição. Essa é a mudança de paradigma que está em curso. No
Brasil, a mudança é outra. Nós não temos um Vale do Silício. O
que nós temos é uma mudança estrutural da composição das classes
sociais, com a emergência da classe C, e a busca por um novo
posicionamento do país no contexto internacional.
Políticos
digitais seriam uma tendência daqui para frente?
Sim.
Cada vez mais a política tende a ser digitalizada. Nós tivemos no
Brasil o período do corpo-a-corpo até os anos 30, a etapa do jornal
e do rádio dali em diante, a etapa da TV nos anos 90. No Brasil,
entre o rádio e a TV, tivemos o período das baionetas. Este período
interrompeu o desenvolvimento da cultura democrática, mas também
construiu as bases da comunicação eletrônica de massas.
É
preciso entender a digitalização como uma tendência, porque não
temos no Brasil uma infraestrutura adequada para candidaturas
digitais como a de Barack Obama. Nos Estados Unidos, no final dos
anos 90, quase 100% dos lares possuíam computador com acesso à
internet. No Brasil, ainda estamos muito longe disso. Conforme
pesquisa do Comitê Gestor da Internet no Brasil, em 2007, somente
metade dos brasileiros já havia utilizado um computador e 24%
possuía um em casa. O acesso à rede mundial era limitado. Somente
17% tinham acesso à internet, sendo que, destes, mais ou menos
metade por meio de linha discada.
Claro
que esta realidade, agora em 2009, já sofreu uma grande mudança,
principalmente com a emergência da classe C, que é a grande
compradora hoje de desktops. Mas penso que o nosso modelo de
comunicação, de marketing eleitoral, não é a internet e a
comunicação digital com suas múltiplas possibilidades. Nossa
referência para pensar uma campanha moderna deve ser mais o Big
Brother, e não Barak Obama.
Então
Lula seria o Obama daqui?
Exato.
E o Lula tem uma vantagem. Ele é um comunicador nato. Hoje, Lula
venceria qualquer um e possivelmente vai eleger Dilma Roussef em
2010. Mas não fazendo a campanha que Obama fez. Se tentasse
reproduzir a fórmula de Obama, provavelmente viria a perder.
É
verdade que em alguns aspectos Lula e Obama parecem vinho da mesma
pipa. Ambos surgiram de fora da política tradicional, vieram dos
setores marginais ao sistema, se construíram contra a vontade dos
poderosos e só foram admitidos porque os bacanas de sempre (FHC
aqui, Bush lá) quebraram a cara totalmente.
A
humanidade vem em ondas, uma depois da outra, buscando soluções
para sua sobrevivência no planeta. A impressão é que Lula e agora
Obama inauguram um novo tempo na história. Há uma mudança aí. Um
novo modelo. Uma nova forma de conduzir as coisas.
Do
ponto do vista do marketing eleitoral e de governo, isso é evidente.
Lula e Obama são bastante diferentes de tudo o que veio antes. E são
surpreendentes para os que sempre dominaram o poder. O posicionamento
que ambos adotam (Lula com certeza - Obama ainda temos de ver melhor)
de defesa do cidadão comum combinado com a radicalidade e ao mesmo
tempo flexibilidade na construção de um projeto de nação parece
ser a chave do sucesso.
Mas
afinal, qual seria o papel da internet numa campanha no Brasil?
Durante
as eleições americanas, me inscrevi no site oficial da campanha
Obama. Não acompanhei o Facebook, o Twiter (ambos são uma espécie
de Orkut) ou outras formas que a campanha de Obama adquiriu.
Depois
que me inscrevi no site, duas ou três vezes por semana, recebi
mensagens do comitê de campanha que quase sempre eram compostas de
três elementos. Eram mensagens muito curtas que: a) informavam do
andamento da campanha; b) solicitavam que eu realizasse pequenas
ações de apoio; c) pediam contribuição financeira. Todas as
mensagens eram muito curtas, nunca passaram de 15 ou 20 linhas. Todas
eram pessoais, dirigidas a cada um individualmente e assinadas por
algum membro do comitê. Os pedidos de apoio financeiro eram
modestos, eram de 2 dólares, 5 dólares. Quando o pedido era maior,
envolvia retorno de um brinde, como uma caneca, uma camiseta, um
adesivo.
A
arrecadação da campanha veio daí?
Não
conheço com profundidade como se dá o financiamento de campanha nos
Estados Unidos, mas a informação divulgada é que 70% das receitas
teriam origem neste tipo de contribuição.
Uma
jornalista que trabalha conosco na Veraz comprou uma camiseta através
do site. Fiquei duvidando que enviassem. Mas não é que ela recebeu,
aqui em Porto Alegre, em casa, a camiseta?
São
essas pequenas coisas que garantem credibilidade a um político.
Mostram organização, respeito pelo eleitor. Essa é a principal
mudança no marketing político e eleitoral a ser feita no Brasil.
Garantir respeito ao eleitor. Ter mecanismos para ouvi-lo –e para
isso a internet é um ótimo canal-, trabalhar numa plataforma
multimídia de comunicação com acento nos mecanismos interativos.
As
campanhas no Brasil nunca foram interativas. Não é um sonho querer
fazer isso?
Olha,
a campanha de Barack Obama ainda vai render muitos estudos e lições
de marketing. Do que pude acompanhar, percebi que Obama soube
segmentar seu marketing conforme os públicos e utilizar as novas
tecnologias de comunicação, principalmente a internet e o celular,
com grande superioridade, primeiro na luta interna com Hilary Clinton
e a seguir no enfrentamento aos republicanos.
Seth
Godin, um americano que fundou uma das primeiras companhias de
marketing online, a Yoyodyne, e a vendeu para o Yahoo em 98, listou
algumas destas lições em seu blog. Godin basicamente diz o
seguinte:
1)
As histórias são o que importam. As pessoas gostam de
produtos/marcas/candidatos que contam histórias.
2)
A TV acabou. Os meios de comunicação de massa estão em declínio e
não tem mais a mesma influência sobre as pessoas. Hoje (nos Estados
Unidos) as pessoas assistem a TV apenas quando querem e é cada vez
mais difícil conseguir a atenção delas.
3)
Obter a permissão das pessoas para enviar-lhes uma mensagem é
essencial no marketing. Invadir o email, o celular, a caixa de
correio com mensagens indesejadas pode ser fatal.
4)
O marketing é tribal. A receita atual é fazer uma comunicação
para nichos de pessoas envolvidas com os mesmos interesses. Para
Godin, engajar-se com as tribos existentes é menos oneroso que
construir uma nova tribo do nada.
5)
Mobilize os militantes e simpatizantes. São eles que farão o
trabalho de convencer os não comprometidos. É mais fácil convencer
os aliados do que argumentar com os inimigos.
6)
Estratégias de ataque não funcionam. Conforme Godin, as pessoas
repudiam as estratégias de ofensa aos concorrentes.
7)
A gente leva o que compra. Ou temos o que merecemos. Quando compramos
um produto ou um candidato, também escolhemos o seu marketing. E
vice-versa.
Creio
que estas lições são válidas globalmente. Claro que elas precisam
ser adequadas a cada realidade. A permissão, por exemplo. Quando
você faz visita de porta em porta, você não pode invadir a casa
das pessoas. Você tem de ser convidado. Então, o meio não é a
internet, mas o problema é o mesmo. Se você quer que a pessoa vote
no seu candidato, o marketing tem de ser feito com respeito.
E
a questão do celular? Obama também usou muito o celular...
Eu
tenho utilizado o celular em campanhas. Faço isso desde 2000.
Diferente do computador e da internet, cujo acesso é restrito, o
celular no Brasil é quase tão popular quanto a televisão. Mas é
preciso ter muito cuidado. Aqui, o celular é ferramenta de trabalho
ou para uso privado, particular. Até hoje as tentativas de usar o
celular como veículo para campanhas publicitárias não deram certo.
O cidadão considera aquela mensagem uma invasão de privacidade. O
mesmo vale para o telemarketing. Já fiz telemarketing, mas com
muitas dúvidas sobre a eficácia.
Outra
coisa que é preciso entender é que o nosso celular não é um
terminal multimídia, um blackberry. 90% dos celulares no Brasil são
pré-pagos e com poucos recursos. Você pode mandar uma mensagem de
seis palavras. Pode também receber mensagens. Esta interatividade é
o que falta nas nossas campanhas.
Uma
última pergunta. A internet deixa a campanha mais barata?
Obama
parece ter feito uma campanha a um custo menor que seus concorrentes.
Arrecadou menos que Hillary e venceu. Arrecadou menos que McCain e
venceu.
O
que torna cara uma campanha é a derrota. Não é o meio de
comunicação que deixa uma campanha mais barata. É a política, é
a força das idéias. Se você é portador de idéias em que as
pessoas acreditam, você pode mudar o mundo.
E
isso não tem preço.
Porque
o marketing de Obama não funcionaria no Brasil (13/04/2009)
Em
1952, quando o general Dwight David Eisenhower foi o primeiro
candidato à contratar uma agência de publicidade (a BBDO) e a
realizar pesquisas de opinião, estávamos muito distantes, no
Brasil, do marketing político e do próprio marketing. De 1989 para
cá, com o retorno das eleições diretas, o País persegue a passos
largos as experiências modernas de realização de campanhas
eleitorais, tendo se tornado inclusive exportador de soluções para
a América Latina e África.
A
campanha de Barak Obama não pode ser reproduzida no Brasil, mas ela
traz lições que precisam ser compreendidas. Algumas destas lições
podem ser úteis em qualquer situação. E em países em
desenvolvimento, como o nosso, o uso criativo da internet e outras
formas de comunicação pode ser a diferença entre a vitória e a
derrota(1). Neste segundo artigo, também no formato pergunta e
resposta, procuro demonstrar como e porque o marketing moderno de
Barack Obama deu certo.
Há
dois anos, ninguém sabia da existência de Barack Obama. Hoje, ele é
o politico mais conhecido do planeta. Como isso foi possível?
De
fato, em 2007 ninguém estava procurando por Obama em nenhum site de
busca. Um ano e meio depois, em 2008, Obama tinha 130 mil seguidores
no Twitter, um grupo no FaceBook com 2 milhões e 300 mil membros, 14
milhões de views em um só vídeo do YouTube (Yes We Can - 2) e 3
milhões e 100 mil doadores de recursos para a sua campanha. Isso foi
possível em função do cenário, da política desenvolvida pelo
senador mas também por causa da internet e das novas tecnologias de
informação e comunicação.
Obama
usou menos de 2% do seu orçamento de campanha com as ações online.
Mas o uso que fez da rede foi totalmente diferente da que fez McCain.
Primeiro, para Obama, o coração da campanha, o centro irradiador,
estava na internet. Um exemplo é a carta de agradecimento pela
vitória enviada primeiro aos internautas. Antes de ir falar ao povo,
Obama falou com os seus militantes digitais(3). Isso aconteceu o
tempo todo em sua campanha.
Em
segundo lugar, além de colocar a internet no centro de irradiação
de sua política, Obama construiu uma relação direta com o cidadão.
Sua campanha compreendeu o potencial democrático e viral da internet
e apostou nisso. No YouBama, um canal de vídeos feitos por usuários,
era possível subir um vídeo dizendo por que você votaria em Obama
ou por que você não votaria nele. Gente que nunca tinha participado
da política, ao perceber que Obama era algo novo, decidiu apostar
nele primeiro contra Hilary, na disputa interna dos democratas, e
depois contra o candidato republicano.
Já,
McCain fez uma campanha do século XX, focada na TV. O candidato
republicano utilizou a internet apenas como mais um meio de divulgar
a sua campanha. Enquanto Obama apostava no relacionamento com os
internautas e a partir dele informava e pedia ações e
contribuições, McCain tratou o público da web como secundário.
Ou
seja, McCain errou ao subestimar a internet e perdeu por causa disso?
Olha,
não acho que McCain tenha perdido por subestimar a internet. Também
não acho que Lula tenha ganho em 2002 por ter recorrido a Duda
Mendonça. Subestimar a internet fez parte da derrota, mas McCain
perdeu por que era o candidato errado, na hora errada, com os
apoiadores errados. McCain era o candidato de Bush, das montadoras em
crise, das seguradoras falidas, da mídia tradicional em declínio.
Todo o mundo de McCain estava ruindo. A votação que ele ainda teve
é uma demonstração de como os americanos são conservadores. A
vitória de Bush em 2004 já tinha sido arrancada a fórceps. Repetir
o erro seria demasiado, mas mesmo assim McCain obteve uma votação
expressiva.
Claro
que o inusitado não foi a vitória dos democratas. Isso já era
esperado. O inusitado foi a vitória de Obama. Um negro num país
racista, um outsider mesmo entre os democratas. Obama, na política,
repete um pouco o mito do jovem na garagem da casa que tem uma ideia
inovadora e muda o mundo. Aliás, o vínculo com a internet só
potencializou essa ideia do indivíduo salvador, muito presente na
cultura americana.
Quando
você fala em potencial democrático da internet, o que isso quer
dizer?
A
internet, do modo como está se desenvolvendo, é um grande salto na
história da humanidade. É algo tão importante quanto as viagens
marítimas, a penicilina ou o tipógrafo. Talvez, daqui a alguns
séculos, a descoberta desta tecnologia acabe se comparando com
questões fundamentais como o domínio do fogo, a descoberta da roda,
a criação da fala. Eu acredito que o essencial desta tecnologia é
que ela liberta, ela permite coisas que antes eram impossíveis.
Ela
permite, por exemplo, ao candidato ter uma relação direta com o
eleitor em seu ambiente digital. A TV também permite isso. Coloca o
candidato dentro da sala da casa, mas a diferença da internet é que
ela é uma tecnologia horizontal, que permite a construção de novos
ambientes de relacionamento direto. A TV é de mão única. A
internet tem duas mãos. Por exemplo, diferente de McCain, Obama não
pedia para que os usuários entrassem em seu site e fizessem doações.
Sua campanha colocou widgets de doação nas redes sociais já
existentes. Obama foi aonde o povo estava na rede. Se inseriu nas
redes pré existentes. Preferiu engajar e motivar os eleitores sobre
a campanha e facilitar a doação com ferramentas de interação
pulverizadas nas mídias sociais. McCain ficou no padrão antigo, da
campanha vertical. Obama fez uma campanha horizontal, interativa.
Ao
apostar na horizontalidade da relação com os cidadãos, Obama deu o
salto para o novo. Conseguiu mostrar diferença. Nos Estados Unidos
mesmo, a campanha de Obama não foi a primeira a usar a internet.
John Edwards, outro senador democrata, foi o primeiro pré-candidato
a presidente a criar perfis em redes sociais, 24 ao todo. Os perfis
não eram usados para se conectar com os eleitores, mas só para
promover o candidato. Edwards não foi capaz de enviar uma mensagem
de agradecimento aos apoiadores quando abandonou a corrida eleitoral
em 30 de janeiro de 2008.
No
Twitter, a disputa entre Obama e McCain também foi desigual. Obama
teve mais de 130 mil seguidores. McCain, menos de 5 mil. Obama fez
atualizações diárias, 263 ao todo. McCain fez 25 atualizações
durante toda a campanha. Não havia interação. McCain simplesmente
esqueceu de mandar um tweet lembrando seus eleitores de votar no dia
da eleição!
Ou
seja, a internet tem um enorme potencial para quem souber utilizar.
Dá um trabalho enorme. Você tem de ter especialistas naquela
ferramenta dedicados 24 horas por dia para produzir ali a melhor
comunicação possível. Não custa pouco, mas se bem utilizado pode
ser compensador.
Como
assim, não custa pouco? Você não disse que Obama só gastou 2% de
seu orçamento com ações online?
Primeiro,
é preciso compreender que a militância de Obama estava na rede.
Para ter uma comparação, pode-se pensar no PT dos primeiros 20
anos, quando a militância ia para as ruas espontânea e
gratuitamente. Na campanha de Obama, houve essa militância digital
intensa e em sua maior parte gratuita. Não sei se é possível
reproduzir esta espontaneidade no Brasil. Acho que não. De qualquer
modo, o custo para formar alguém que domine a linguagem, conheça o
ambiente, e seja capaz de transformar política num produto
encantador na internet não é pequeno.
Antes
de 2002, as campanhas do PT em geral eram muito baratas. Mas sempre
digo que eram baratas até por ali, por que as pessoas não
contabilizavam o custo de formar um militante. O mesmo aconteceu na
campanha de Obama. O seu posicionamento, o fato de ser um candidato
do Vale do Silício, encantou o mundo digital, e isso lhe trouxe
enormes apoios. Obama apostou na lógica viral da internet e o mundo
digital se contaminou e resolveu apostar nele.
No
marketing, quando a gente repete uma fórmula vitoriosa, a segunda
vez é sempre mais cara que a primeira. Você vai ver que a reeleição
de Obama não vai ser tão simples, nem tão barata. Ao contrário, a
tendência agora é tudo ficar mais difícil.
Voltando
para a internet, o que mais funcionou na campanha?
Vou
falar disso, mas antes deixa revelar uma questão que as vezes passa
desapercebida. Um dos principais esforços de finanças da campanha
de Obama foi arrecadar dinheiro para comprar tempo de TV,
principalmente comprar 30 minutos em rede na reta final. A internet
nos Estados Unidos já é muito poderosa, mas Obama atingiu apenas
34% dos eleitores com ela. Ou seja, mesmo nos Estados Unidos, onde
todos os lares têm acesso à internet e as pessoas já passam mais
tempo na frente do computador do que na TV, para falar com todo mundo
ainda foi preciso usar a televisão.
Isso
não invalida a importância das ferramentas digitais, apenas as
coloca no contexto de uma realidade específica. As campanhas a
presidente nunca mais foram as mesmas depois que Eisenhower contratou
a BBDO. As campanhas no mundo inteiro nunca mais serão as mesmas
depois que Obama venceu usando a internet como alavanca da sua
vitória.
Tudo
o que Obama fez é simples, mas exige muito conhecimento ao mesmo
tempo. A internet é uma também uma nova linguagem. O mais caro é
conseguir dominar essa linguagem e aplicar na política com
eficiência.
No
espaço MyBarackObama.com havia 16 espaços sociais oficiais de
acordo com o perfil étnico ou psicográfico do público. Os
eleitores podiam criar seus próprios blogs para discussão, enviar
recomendações diretamente à campanha, criar seu mini site para
arrecadação de doações, organizar eventos, etc. No Facebook,
foram criados espontaneamente mais de 500 grupos. A campanha promoveu
interações, concursos de vídeo, ações ingame, vídeos virais,
widgets para arrecadação etc. Os vídeos foram umas das ferramentas
de comunicação mais utilizadas. Discursos, depoimentos e vídeo
clips foram publicados em diversos canais como o Youtube e outros. A
maior parte das fotos de seu perfil no Flickr não era de
profissionais, mas tiradas por eleitores voluntários durante todas
as etapas da campanha. Os resultados do Flickr dão 5 vezes mais
Obama do que John Mccain! Mccain não tinha perfil nessa rede social.
Um conteúdo gerado por usuário, uma paródia do comercial clássico
da Apple “1984”, teve mais de 5 milhões de views (4). Estas e
outras ações demonstram que a campanha Obama soube como ninguém
compreender a natureza da rede, a sua linguagem, a forma de engajar
as pessoas.
Você
acha que é isso que fez a campanha de sair vitoriosa?
Isso
também fez parte da vitória. Foi um componente importante, mas não
pode ser tomado como solução mágica.
Barack
Obama é para o mundo da política o que a Microsoft representou para
o mundo empresarial. Uma radical inovação. Mas a Microsoft nunca
teria dado certo no Brasil. A nossa empresa de ponta é a Petrobras e
o nosso político de ponta é o Lula. Quando Obama diz que o Lula "é
o cara" ele está reconhecendo isso (para desespero do Fernando
Henrique, diga-se de passagem). Brasil e Estados Unidos tem
realidades distintas. E o marketing não é um pacote que você
aplica independentemente da realidade concreta. Ao contrário, cada
dia mais tenho percebido que os pacotes de marketing têm acumulado
derrotas por onde passam. Eu creio que o que fez mesmo Obama sair
vitorioso foi sua promessa de mudança e de tirar a economia
americana do buraco em que Bush a colocou. Isso soou como música no
ouvido do cidadão americano. E isso é política, antes de ser
marketing. ///
(1)
Utilizamos diversas fontes de pesquisa para este artigo. A mais
sintética e coerente é uma apresentação disponível na rede feita
pela equipe da Riot, uma empresa especializada em propaganda em redes
sociais. Ver http://www.riot.com.br/?p=188 .
(2)
"Yes We Can" foi um vídeo produzido por Will.i.am. Se você
não conhece, vale a pena assistir:
http://www.youtube.com/watch?v=jjXyqcx-mYY . A música foi criada
sobre um discurso de Barack Obama e se mistura com ele o tempo todo.
Hoje, abril de 2009, já tem mais de 17 milhões e 300 mil views.
(3)
Veja a seguir a carta enviada no dia da vitória. Esta mensagem foi
uma das poucas assinadas pelo próprio candidato. É uma das
mensagens mais longas de toda a campanha:
"
Paulo -- I'm about to head to Grant Park to talk to everyone gathered
there, but I wanted to write to you first. We just made history. And
I don't want you to forget how we did it. You made history every
single day during this campaign -- every day you knocked on doors,
made a donation, or talked to your family, friends, and neighbors
about why you believe it's time for change. I want to thank all of
you who gave your time, talent, and passion to this campaign. We have
a lot of work to do to get our country back on track, and I'll be in
touch soon about what comes next. But I want to be very clear about
one thing... All of this happened because of you. Thank you, Barack."
Tradução:
"Paulo
-- Eu estou indo para o Grant Park para falar com todos que estão lá
reunidos, mas eu queria escrever antes para você. Nós acabamos de
fazer história. E eu não não quero que você esqueça como nós
fizemos isso. Você fez história todos os dias durante esta campanha
-- todos os dias batendo nas portas, fazendo doações ou conversando
com seus familiares, seus amigos e conhecidos sobre por que nós
acreditamos que é hora de mudar. Eu queria falar com todos vocês
que deram seu tempo, talento e paixão para esta campanha. Nós temos
um grande trabalho por fazer para colocar nosso país de volta nos
trilhos, e eu vou entrar em contato em breve sobre o que está por
vir. Mas eu quero deixar muito claro uma coisa... Tudo isso está
acontecendo por sua causa. Obrigado a você. Barack."
(4)
Ver http://www.youtube.com/watch?v=6h3G-lMZxjo . Posteriormente, a
equipe de Obama assumiu a autoria do vídeo. A cautela sobre a
paternidade se justifica: o conteúdo é um ataque viral frontal
contra Hilary Clinton.