domingo, 12 de julho de 2020

LIÇÕES DE MARKETING DE BARACK OBAMA QUE VIERAM PARA FICAR

Nestes dias de quarentena e bandeira vermelha, fui atrás de publicações antigas em blogs que já alimentei. Encontrei os dois artigos que vão abaixo. São de abril de 2009. O mundo ainda não havia compreendido como os americanos tinham eleito o primeiro presidente negro de sua história. Republico aqui porque acho que vale a leitura.




Porque o marketing de Obama não funcionaria no Brasil (01/04/2009)


Políticos de todos os partidos têm solicitado pareceres sobre o uso da internet e outras tecnologias da informação na campanha do presidente norte-americano Barack Obama. Pelas perguntas que me chegam, parece ter se criado a ilusão de que o segredo da eleição esteve mais no uso das novas tecnologias do que na política desenvolvida pelo senador democrata. Este artigo é uma tentativa de responder a todos os questionamentos e o uso do formato "pergunta e resposta" tenta tornar mais leve e facilitar a compreensão do tema.


Obama ganhou por causa da internet?

A questão do uso dos meios modernos de comunicação, no caso de Obama, acentuou-se ainda mais porque seu opositor, McCain, era um opositor "analógico". Obama fez uma campanha do século XXI e McCain do século XX. A questão da linguagem e dos meios ganhou maior relevância neste contexto.

Mas Obama não ganhou por causa da internet. Por mais que isso tenha tido importância, a vitória de Obama não pode ser atribuída ao uso que ele fez das novas tecnologias de informação e comunicação. Uma política errada, mesmo utilizando os meios certos, levaria a uma derrota.

O que há de radicalmente diferente em Obama é o seu posicionamento, é o fato dele ser um produto do mundo globalizado. Em termos de marketing, Obama é um produto novo e uma marca nova na política, assim como a Microsoft foi uma empresa inovadora nos anos 80 e o Google é hoje. O fato de Obama ter construído novos canais de distribuição da sua proposta política é apenas consequência deste posicionamento.
No século passado nós tivemos formatos de políticas que se desenvolveram vinculados às novas tecnologias de então. O nazismo pôde crescer porque havia o rádio. O populismo é filho dos grandes comícios, propiciados pela concentração da população nas grandes cidades. Pode-se dizer que Obama é o primeiro político digital da história.


O apoio do Vale do Silício a Obama teria se dado em função disso?

Mike Davis, editor da New Left Review, usa uma imagem muito apropriada. Ele diz que o mandato de Obama é uma "presidência do silício". As empresas de tecnologia "compraram" a candidatura de Obama, se uniram -e foram unidas- em apoio a ela. Eric Schmidt, fundador do Google, não saia do lado de Obama na campanha e na transição. Essa é a mudança de paradigma que está em curso. No Brasil, a mudança é outra. Nós não temos um Vale do Silício. O que nós temos é uma mudança estrutural da composição das classes sociais, com a emergência da classe C, e a busca por um novo posicionamento do país no contexto internacional.

Políticos digitais seriam uma tendência daqui para frente?

Sim. Cada vez mais a política tende a ser digitalizada. Nós tivemos no Brasil o período do corpo-a-corpo até os anos 30, a etapa do jornal e do rádio dali em diante, a etapa da TV nos anos 90. No Brasil, entre o rádio e a TV, tivemos o período das baionetas. Este período interrompeu o desenvolvimento da cultura democrática, mas também construiu as bases da comunicação eletrônica de massas.

É preciso entender a digitalização como uma tendência, porque não temos no Brasil uma infraestrutura adequada para candidaturas digitais como a de Barack Obama. Nos Estados Unidos, no final dos anos 90, quase 100% dos lares possuíam computador com acesso à internet. No Brasil, ainda estamos muito longe disso. Conforme pesquisa do Comitê Gestor da Internet no Brasil, em 2007, somente metade dos brasileiros já havia utilizado um computador e 24% possuía um em casa. O acesso à rede mundial era limitado. Somente 17% tinham acesso à internet, sendo que, destes, mais ou menos metade por meio de linha discada.

Claro que esta realidade, agora em 2009, já sofreu uma grande mudança, principalmente com a emergência da classe C, que é a grande compradora hoje de desktops. Mas penso que o nosso modelo de comunicação, de marketing eleitoral, não é a internet e a comunicação digital com suas múltiplas possibilidades. Nossa referência para pensar uma campanha moderna deve ser mais o Big Brother, e não Barak Obama.

Então Lula seria o Obama daqui?

Exato. E o Lula tem uma vantagem. Ele é um comunicador nato. Hoje, Lula venceria qualquer um e possivelmente vai eleger Dilma Roussef em 2010. Mas não fazendo a campanha que Obama fez. Se tentasse reproduzir a fórmula de Obama, provavelmente viria a perder.

É verdade que em alguns aspectos Lula e Obama parecem vinho da mesma pipa. Ambos surgiram de fora da política tradicional, vieram dos setores marginais ao sistema, se construíram contra a vontade dos poderosos e só foram admitidos porque os bacanas de sempre (FHC aqui, Bush lá) quebraram a cara totalmente.

A humanidade vem em ondas, uma depois da outra, buscando soluções para sua sobrevivência no planeta. A impressão é que Lula e agora Obama inauguram um novo tempo na história. Há uma mudança aí. Um novo modelo. Uma nova forma de conduzir as coisas.

Do ponto do vista do marketing eleitoral e de governo, isso é evidente. Lula e Obama são bastante diferentes de tudo o que veio antes. E são surpreendentes para os que sempre dominaram o poder. O posicionamento que ambos adotam (Lula com certeza - Obama ainda temos de ver melhor) de defesa do cidadão comum combinado com a radicalidade e ao mesmo tempo flexibilidade na construção de um projeto de nação parece ser a chave do sucesso.

Mas afinal, qual seria o papel da internet numa campanha no Brasil?

Durante as eleições americanas, me inscrevi no site oficial da campanha Obama. Não acompanhei o Facebook, o Twiter (ambos são uma espécie de Orkut) ou outras formas que a campanha de Obama adquiriu.

Depois que me inscrevi no site, duas ou três vezes por semana, recebi mensagens do comitê de campanha que quase sempre eram compostas de três elementos. Eram mensagens muito curtas que: a) informavam do andamento da campanha; b) solicitavam que eu realizasse pequenas ações de apoio; c) pediam contribuição financeira. Todas as mensagens eram muito curtas, nunca passaram de 15 ou 20 linhas. Todas eram pessoais, dirigidas a cada um individualmente e assinadas por algum membro do comitê. Os pedidos de apoio financeiro eram modestos, eram de 2 dólares, 5 dólares. Quando o pedido era maior, envolvia retorno de um brinde, como uma caneca, uma camiseta, um adesivo.


A arrecadação da campanha veio daí?

Não conheço com profundidade como se dá o financiamento de campanha nos Estados Unidos, mas a informação divulgada é que 70% das receitas teriam origem neste tipo de contribuição.

Uma jornalista que trabalha conosco na Veraz comprou uma camiseta através do site. Fiquei duvidando que enviassem. Mas não é que ela recebeu, aqui em Porto Alegre, em casa, a camiseta?

São essas pequenas coisas que garantem credibilidade a um político. Mostram organização, respeito pelo eleitor. Essa é a principal mudança no marketing político e eleitoral a ser feita no Brasil. Garantir respeito ao eleitor. Ter mecanismos para ouvi-lo –e para isso a internet é um ótimo canal-, trabalhar numa plataforma multimídia de comunicação com acento nos mecanismos interativos.


As campanhas no Brasil nunca foram interativas. Não é um sonho querer fazer isso?

Olha, a campanha de Barack Obama ainda vai render muitos estudos e lições de marketing. Do que pude acompanhar, percebi que Obama soube segmentar seu marketing conforme os públicos e utilizar as novas tecnologias de comunicação, principalmente a internet e o celular, com grande superioridade, primeiro na luta interna com Hilary Clinton e a seguir no enfrentamento aos republicanos.

Seth Godin, um americano que fundou uma das primeiras companhias de marketing online, a Yoyodyne, e a vendeu para o Yahoo em 98, listou algumas destas lições em seu blog. Godin basicamente diz o seguinte:
1) As histórias são o que importam. As pessoas gostam de produtos/marcas/candidatos que contam histórias.
2) A TV acabou. Os meios de comunicação de massa estão em declínio e não tem mais a mesma influência sobre as pessoas. Hoje (nos Estados Unidos) as pessoas assistem a TV apenas quando querem e é cada vez mais difícil conseguir a atenção delas.
3) Obter a permissão das pessoas para enviar-lhes uma mensagem é essencial no marketing. Invadir o email, o celular, a caixa de correio com mensagens indesejadas pode ser fatal.
4) O marketing é tribal. A receita atual é fazer uma comunicação para nichos de pessoas envolvidas com os mesmos interesses. Para Godin, engajar-se com as tribos existentes é menos oneroso que construir uma nova tribo do nada.
5) Mobilize os militantes e simpatizantes. São eles que farão o trabalho de convencer os não comprometidos. É mais fácil convencer os aliados do que argumentar com os inimigos.
6) Estratégias de ataque não funcionam. Conforme Godin, as pessoas repudiam as estratégias de ofensa aos concorrentes.
7) A gente leva o que compra. Ou temos o que merecemos. Quando compramos um produto ou um candidato, também escolhemos o seu marketing. E vice-versa.
Creio que estas lições são válidas globalmente. Claro que elas precisam ser adequadas a cada realidade. A permissão, por exemplo. Quando você faz visita de porta em porta, você não pode invadir a casa das pessoas. Você tem de ser convidado. Então, o meio não é a internet, mas o problema é o mesmo. Se você quer que a pessoa vote no seu candidato, o marketing tem de ser feito com respeito.


E a questão do celular? Obama também usou muito o celular...

Eu tenho utilizado o celular em campanhas. Faço isso desde 2000. Diferente do computador e da internet, cujo acesso é restrito, o celular no Brasil é quase tão popular quanto a televisão. Mas é preciso ter muito cuidado. Aqui, o celular é ferramenta de trabalho ou para uso privado, particular. Até hoje as tentativas de usar o celular como veículo para campanhas publicitárias não deram certo. O cidadão considera aquela mensagem uma invasão de privacidade. O mesmo vale para o telemarketing. Já fiz telemarketing, mas com muitas dúvidas sobre a eficácia.

Outra coisa que é preciso entender é que o nosso celular não é um terminal multimídia, um blackberry. 90% dos celulares no Brasil são pré-pagos e com poucos recursos. Você pode mandar uma mensagem de seis palavras. Pode também receber mensagens. Esta interatividade é o que falta nas nossas campanhas.

Uma última pergunta. A internet deixa a campanha mais barata?

Obama parece ter feito uma campanha a um custo menor que seus concorrentes. Arrecadou menos que Hillary e venceu. Arrecadou menos que McCain e venceu.

O que torna cara uma campanha é a derrota. Não é o meio de comunicação que deixa uma campanha mais barata. É a política, é a força das idéias. Se você é portador de idéias em que as pessoas acreditam, você pode mudar o mundo.

E isso não tem preço.






Porque o marketing de Obama não funcionaria no Brasil (13/04/2009)


Em 1952, quando o general Dwight David Eisenhower foi o primeiro candidato à contratar uma agência de publicidade (a BBDO) e a realizar pesquisas de opinião, estávamos muito distantes, no Brasil, do marketing político e do próprio marketing. De 1989 para cá, com o retorno das eleições diretas, o País persegue a passos largos as experiências modernas de realização de campanhas eleitorais, tendo se tornado inclusive exportador de soluções para a América Latina e África.

A campanha de Barak Obama não pode ser reproduzida no Brasil, mas ela traz lições que precisam ser compreendidas. Algumas destas lições podem ser úteis em qualquer situação. E em países em desenvolvimento, como o nosso, o uso criativo da internet e outras formas de comunicação pode ser a diferença entre a vitória e a derrota(1). Neste segundo artigo, também no formato pergunta e resposta, procuro demonstrar como e porque o marketing moderno de Barack Obama deu certo.

Há dois anos, ninguém sabia da existência de Barack Obama. Hoje, ele é o politico mais conhecido do planeta. Como isso foi possível?

De fato, em 2007 ninguém estava procurando por Obama em nenhum site de busca. Um ano e meio depois, em 2008, Obama tinha 130 mil seguidores no Twitter, um grupo no FaceBook com 2 milhões e 300 mil membros, 14 milhões de views em um só vídeo do YouTube (Yes We Can - 2) e 3 milhões e 100 mil doadores de recursos para a sua campanha. Isso foi possível em função do cenário, da política desenvolvida pelo senador mas também por causa da internet e das novas tecnologias de informação e comunicação.

Obama usou menos de 2% do seu orçamento de campanha com as ações online. Mas o uso que fez da rede foi totalmente diferente da que fez McCain. Primeiro, para Obama, o coração da campanha, o centro irradiador, estava na internet. Um exemplo é a carta de agradecimento pela vitória enviada primeiro aos internautas. Antes de ir falar ao povo, Obama falou com os seus militantes digitais(3). Isso aconteceu o tempo todo em sua campanha.

Em segundo lugar, além de colocar a internet no centro de irradiação de sua política, Obama construiu uma relação direta com o cidadão. Sua campanha compreendeu o potencial democrático e viral da internet e apostou nisso. No YouBama, um canal de vídeos feitos por usuários, era possível subir um vídeo dizendo por que você votaria em Obama ou por que você não votaria nele. Gente que nunca tinha participado da política, ao perceber que Obama era algo novo, decidiu apostar nele primeiro contra Hilary, na disputa interna dos democratas, e depois contra o candidato republicano.

Já, McCain fez uma campanha do século XX, focada na TV. O candidato republicano utilizou a internet apenas como mais um meio de divulgar a sua campanha. Enquanto Obama apostava no relacionamento com os internautas e a partir dele informava e pedia ações e contribuições, McCain tratou o público da web como secundário.

Ou seja, McCain errou ao subestimar a internet e perdeu por causa disso?

Olha, não acho que McCain tenha perdido por subestimar a internet. Também não acho que Lula tenha ganho em 2002 por ter recorrido a Duda Mendonça. Subestimar a internet fez parte da derrota, mas McCain perdeu por que era o candidato errado, na hora errada, com os apoiadores errados. McCain era o candidato de Bush, das montadoras em crise, das seguradoras falidas, da mídia tradicional em declínio. Todo o mundo de McCain estava ruindo. A votação que ele ainda teve é uma demonstração de como os americanos são conservadores. A vitória de Bush em 2004 já tinha sido arrancada a fórceps. Repetir o erro seria demasiado, mas mesmo assim McCain obteve uma votação expressiva.

Claro que o inusitado não foi a vitória dos democratas. Isso já era esperado. O inusitado foi a vitória de Obama. Um negro num país racista, um outsider mesmo entre os democratas. Obama, na política, repete um pouco o mito do jovem na garagem da casa que tem uma ideia inovadora e muda o mundo. Aliás, o vínculo com a internet só potencializou essa ideia do indivíduo salvador, muito presente na cultura americana.

Quando você fala em potencial democrático da internet, o que isso quer dizer?

A internet, do modo como está se desenvolvendo, é um grande salto na história da humanidade. É algo tão importante quanto as viagens marítimas, a penicilina ou o tipógrafo. Talvez, daqui a alguns séculos, a descoberta desta tecnologia acabe se comparando com questões fundamentais como o domínio do fogo, a descoberta da roda, a criação da fala. Eu acredito que o essencial desta tecnologia é que ela liberta, ela permite coisas que antes eram impossíveis.

Ela permite, por exemplo, ao candidato ter uma relação direta com o eleitor em seu ambiente digital. A TV também permite isso. Coloca o candidato dentro da sala da casa, mas a diferença da internet é que ela é uma tecnologia horizontal, que permite a construção de novos ambientes de relacionamento direto. A TV é de mão única. A internet tem duas mãos. Por exemplo, diferente de McCain, Obama não pedia para que os usuários entrassem em seu site e fizessem doações. Sua campanha colocou widgets de doação nas redes sociais já existentes. Obama foi aonde o povo estava na rede. Se inseriu nas redes pré existentes. Preferiu engajar e motivar os eleitores sobre a campanha e facilitar a doação com ferramentas de interação pulverizadas nas mídias sociais. McCain ficou no padrão antigo, da campanha vertical. Obama fez uma campanha horizontal, interativa.

Ao apostar na horizontalidade da relação com os cidadãos, Obama deu o salto para o novo. Conseguiu mostrar diferença. Nos Estados Unidos mesmo, a campanha de Obama não foi a primeira a usar a internet. John Edwards, outro senador democrata, foi o primeiro pré-candidato a presidente a criar perfis em redes sociais, 24 ao todo. Os perfis não eram usados para se conectar com os eleitores, mas só para promover o candidato. Edwards não foi capaz de enviar uma mensagem de agradecimento aos apoiadores quando abandonou a corrida eleitoral em 30 de janeiro de 2008.

No Twitter, a disputa entre Obama e McCain também foi desigual. Obama teve mais de 130 mil seguidores. McCain, menos de 5 mil. Obama fez atualizações diárias, 263 ao todo. McCain fez 25 atualizações durante toda a campanha. Não havia interação. McCain simplesmente esqueceu de mandar um tweet lembrando seus eleitores de votar no dia da eleição!

Ou seja, a internet tem um enorme potencial para quem souber utilizar. Dá um trabalho enorme. Você tem de ter especialistas naquela ferramenta dedicados 24 horas por dia para produzir ali a melhor comunicação possível. Não custa pouco, mas se bem utilizado pode ser compensador.

Como assim, não custa pouco? Você não disse que Obama só gastou 2% de seu orçamento com ações online?

Primeiro, é preciso compreender que a militância de Obama estava na rede. Para ter uma comparação, pode-se pensar no PT dos primeiros 20 anos, quando a militância ia para as ruas espontânea e gratuitamente. Na campanha de Obama, houve essa militância digital intensa e em sua maior parte gratuita. Não sei se é possível reproduzir esta espontaneidade no Brasil. Acho que não. De qualquer modo, o custo para formar alguém que domine a linguagem, conheça o ambiente, e seja capaz de transformar política num produto encantador na internet não é pequeno.

Antes de 2002, as campanhas do PT em geral eram muito baratas. Mas sempre digo que eram baratas até por ali, por que as pessoas não contabilizavam o custo de formar um militante. O mesmo aconteceu na campanha de Obama. O seu posicionamento, o fato de ser um candidato do Vale do Silício, encantou o mundo digital, e isso lhe trouxe enormes apoios. Obama apostou na lógica viral da internet e o mundo digital se contaminou e resolveu apostar nele.

No marketing, quando a gente repete uma fórmula vitoriosa, a segunda vez é sempre mais cara que a primeira. Você vai ver que a reeleição de Obama não vai ser tão simples, nem tão barata. Ao contrário, a tendência agora é tudo ficar mais difícil.

Voltando para a internet, o que mais funcionou na campanha?

Vou falar disso, mas antes deixa revelar uma questão que as vezes passa desapercebida. Um dos principais esforços de finanças da campanha de Obama foi arrecadar dinheiro para comprar tempo de TV, principalmente comprar 30 minutos em rede na reta final. A internet nos Estados Unidos já é muito poderosa, mas Obama atingiu apenas 34% dos eleitores com ela. Ou seja, mesmo nos Estados Unidos, onde todos os lares têm acesso à internet e as pessoas já passam mais tempo na frente do computador do que na TV, para falar com todo mundo ainda foi preciso usar a televisão.

Isso não invalida a importância das ferramentas digitais, apenas as coloca no contexto de uma realidade específica. As campanhas a presidente nunca mais foram as mesmas depois que Eisenhower contratou a BBDO. As campanhas no mundo inteiro nunca mais serão as mesmas depois que Obama venceu usando a internet como alavanca da sua vitória.

Tudo o que Obama fez é simples, mas exige muito conhecimento ao mesmo tempo. A internet é uma também uma nova linguagem. O mais caro é conseguir dominar essa linguagem e aplicar na política com eficiência.

No espaço MyBarackObama.com havia 16 espaços sociais oficiais de acordo com o perfil étnico ou psicográfico do público. Os eleitores podiam criar seus próprios blogs para discussão, enviar recomendações diretamente à campanha, criar seu mini site para arrecadação de doações, organizar eventos, etc. No Facebook, foram criados espontaneamente mais de 500 grupos. A campanha promoveu interações, concursos de vídeo, ações ingame, vídeos virais, widgets para arrecadação etc. Os vídeos foram umas das ferramentas de comunicação mais utilizadas. Discursos, depoimentos e vídeo clips foram publicados em diversos canais como o Youtube e outros. A maior parte das fotos de seu perfil no Flickr não era de profissionais, mas tiradas por eleitores voluntários durante todas as etapas da campanha. Os resultados do Flickr dão 5 vezes mais Obama do que John Mccain! Mccain não tinha perfil nessa rede social. Um conteúdo gerado por usuário, uma paródia do comercial clássico da Apple “1984”, teve mais de 5 milhões de views (4). Estas e outras ações demonstram que a campanha Obama soube como ninguém compreender a natureza da rede, a sua linguagem, a forma de engajar as pessoas.

Você acha que é isso que fez a campanha de sair vitoriosa?

Isso também fez parte da vitória. Foi um componente importante, mas não pode ser tomado como solução mágica.

Barack Obama é para o mundo da política o que a Microsoft representou para o mundo empresarial. Uma radical inovação. Mas a Microsoft nunca teria dado certo no Brasil. A nossa empresa de ponta é a Petrobras e o nosso político de ponta é o Lula. Quando Obama diz que o Lula "é o cara" ele está reconhecendo isso (para desespero do Fernando Henrique, diga-se de passagem). Brasil e Estados Unidos tem realidades distintas. E o marketing não é um pacote que você aplica independentemente da realidade concreta. Ao contrário, cada dia mais tenho percebido que os pacotes de marketing têm acumulado derrotas por onde passam. Eu creio que o que fez mesmo Obama sair vitorioso foi sua promessa de mudança e de tirar a economia americana do buraco em que Bush a colocou. Isso soou como música no ouvido do cidadão americano. E isso é política, antes de ser marketing. ///


(1) Utilizamos diversas fontes de pesquisa para este artigo. A mais sintética e coerente é uma apresentação disponível na rede feita pela equipe da Riot, uma empresa especializada em propaganda em redes sociais. Ver http://www.riot.com.br/?p=188 .

(2) "Yes We Can" foi um vídeo produzido por Will.i.am. Se você não conhece, vale a pena assistir: http://www.youtube.com/watch?v=jjXyqcx-mYY . A música foi criada sobre um discurso de Barack Obama e se mistura com ele o tempo todo. Hoje, abril de 2009, já tem mais de 17 milhões e 300 mil views.

(3) Veja a seguir a carta enviada no dia da vitória. Esta mensagem foi uma das poucas assinadas pelo próprio candidato. É uma das mensagens mais longas de toda a campanha:
" Paulo -- I'm about to head to Grant Park to talk to everyone gathered there, but I wanted to write to you first. We just made history. And I don't want you to forget how we did it. You made history every single day during this campaign -- every day you knocked on doors, made a donation, or talked to your family, friends, and neighbors about why you believe it's time for change. I want to thank all of you who gave your time, talent, and passion to this campaign. We have a lot of work to do to get our country back on track, and I'll be in touch soon about what comes next. But I want to be very clear about one thing... All of this happened because of you. Thank you, Barack."
Tradução:
"Paulo -- Eu estou indo para o Grant Park para falar com todos que estão lá reunidos, mas eu queria escrever antes para você. Nós acabamos de fazer história. E eu não não quero que você esqueça como nós fizemos isso. Você fez história todos os dias durante esta campanha -- todos os dias batendo nas portas, fazendo doações ou conversando com seus familiares, seus amigos e conhecidos sobre por que nós acreditamos que é hora de mudar. Eu queria falar com todos vocês que deram seu tempo, talento e paixão para esta campanha. Nós temos um grande trabalho por fazer para colocar nosso país de volta nos trilhos, e eu vou entrar em contato em breve sobre o que está por vir. Mas eu quero deixar muito claro uma coisa... Tudo isso está acontecendo por sua causa. Obrigado a você. Barack."

(4) Ver http://www.youtube.com/watch?v=6h3G-lMZxjo . Posteriormente, a equipe de Obama assumiu a autoria do vídeo. A cautela sobre a paternidade se justifica: o conteúdo é um ataque viral frontal contra Hilary Clinton.