A eleição de Zohran Mamdani para a Prefeitura de Nova Iorque é um evento que exige uma análise fria e objetiva de todos aqueles que se dedicam a compreender as dinâmicas do poder, do marketing e da mobilização política. O resultado, que para muitos soou como um terremoto, é na verdade a manifestação de uma força política consistente e, acima de tudo, metodologicamente disciplinada.
Mamdani, um socialista declarado, de 34 anos, imigrante e muçulmano, reunia em seu perfil todas as características que, segundo a lógica política tradicional, deveriam inviabilizar sua candidatura na cidade mais importante do mundo. Sua ascensão, de um patamar inicial de 2% ou 3% nas pesquisas para uma vitória decisiva, não pode ser explicada por um mero "fenômeno" de redes sociais ou por um golpe de sorte.
O cerne da vitória reside na estratégia e no programa da campanha. Enquanto a maioria das campanhas modernas se afoga em gastos milionários com mídia paga e na busca incessante por viralidade digital, a campanha de Mamdani inverteu a lógica. As redes sociais, sim, foram utilizadas, mas de forma subordinada à principal engrenagem: a organização de base.
Nova York hoje é uma cidade “onde um em cada quatro habitantes vive na pobreza e quinhentas mil crianças vão dormir com fome todas as noites” declarou Mamdani à rede ABC. É nessa Nova York que a candidatura de Zohran cresceu e se firmou.
A DSA (Democratic Socialists of America), organização da qual Mamdani faz parte, mobilizou o que pode ser chamado de um verdadeiro exército de cerca de 100 mil voluntários. Este número impressionante não é uma hipérbole, mas o reflexo de uma capacidade de engajamento que superou em muito a máquina tradicional do Partido Democrata e o poder financeiro dos bilionários da cidade.
A campanha foi construída de baixo para cima e de dentro para fora das comunidades. Milhares de voluntários bateram de porta em porta, realizaram telefonemas e organizaram reuniões em sindicatos e bairros, levando a mensagem diretamente ao eleitor. Este contato humano e direto, focado em pautas concretas como congelamento de aluguel e transporte público gratuito, estabeleceu uma conexão de confiança que nenhuma propaganda paga poderia replicar.
A base de apoio de Mamdani foi clara: a juventude e os trabalhadores novaiorquinos. Em um momento de crescente desigualdade social e crise de moradia, a plataforma socialista e progressista de Mamdani ressoou com uma parcela da população que se sentia ignorada pelo establishment político. A vitória é, antes de tudo, uma vitória da classe trabalhadora contra a oligarquia, como bem pontuou a DSA.
A lição que fica para o mundo dos negócios e da política é inegável: a organização e a ideologia clara, quando combinadas com uma mobilização de base massiva, são capazes de subverter as expectativas e derrotar o poder da grana. O dinheiro pode comprar visibilidade, mas não compra engajamento orgânico e a convicção de um exército de voluntários.
O caso Mamdani não é um ponto fora da curva, mas um indicativo de que a política do século XXI exige um retorno à mobilização real. É um lembrete de que a força de um movimento não se mede apenas pela sua conta bancária, mas pela sua capacidade de transformar pessoas comuns em agentes ativos de mudança.
O novo Prefeito de Nova Iorque é a prova de que, mesmo na metrópole global do capitalismo, a força da organização popular pode prevalecer. Ignorar esta lição é um erro que nenhum analista político ou líder empresarial pode se dar ao luxo de cometer.
Paulo Cezar da Rosa - CEO, Grupo Veraz
