Vivemos uma era de transições profundas. O mundo não é mais um tabuleiro de xadrez com uma única peça real comandando o jogo. A ordem unipolar, centrada nos Estados Unidos, deu lugar a um cenário multipolar emergente, onde diferentes nações e regiões exercem influência cultural, econômica e política. E de todos os lados surgem novas tecnologias, especialmente no terreno da comunicação. Para nós, profissionais da área, essa não é uma mera observação geopolítica; é a nova realidade que redefine completamente como construímos marcas e conectamos com as pessoas.
Neste novo contexto, o maior erro é adotar uma visão unilateral. Focar exclusivamente no global em geral leva a campanhas genéricas e desconectadas, como um discurso traduzido que perde seu sentido original. A marca se torna um estrangeiro permanente, que não cria raízes nem gera identificação genuína. Por outro lado, uma visão excessivamente local pode levar a um provincianismo cego, onde a marca perde a oportunidade de se conectar com tendências maiores e se isenta de um diálogo cultural mais amplo. É a diferença entre ser um cidadão do mundo e um forasteiro.
A solução para este conflito está na arte de combinar os dois extremos. E pra isso, é preciso ter um olhar focado no horizonte global, identificando macro-tendências, narrativas universais e inovações tecnológicas. E outro, ajustado para o foco local, decifrando os códigos culturais, os humores sociais e as particularidades do dia a dia do público a quem nos dirigimos. A comunicação eficaz acontece na interseção desses dois campos de visão.
Algumas marcas já compreenderam esse jogo e colhem os frutos. A Heineken, com sua plataforma global Cheers to Al, é um caso emblemático. Enquanto prega a inclusão e a conexão entre pessoas (valor universal), a cervejaria produz conteúdo hiperlocal. Em campanhas na Espanha, focou no hábito local dos "vermouths"; no Brasil, celebrou as particularidades de cada região durante o Carnaval. O global dá o tom, o local dá a alma.
A cultura está cheia de exemplos neste sentido. Eu confesso, nunca tinha ouvido falar de uma cantora que recém concluiu uma temporada no Brasil. Dua Lipa, uma albanesa nascida e criada em Londres, fez questão de conhecer os lugares e as pessoas destes lugares. Homenageou artistas locais, frequentou bares e até falou em português. Um comportamento oposto aos artistas da geração anterior que quando vinham ao Brasil se limitavam a ir do hotel pro espetáculo e voltavam rápido.
No campo digital, a tensão se manifesta na escolha entre plataformas e influenciadores. Uma estratégia puramente global pode insistir no TikTok para um público que, regionalmente, ainda é mais ativo no WhatsApp ou em comunidades online específicas. O marketing digital permite identificar o que ressoam globalmente e quais ações precisam de uma "tradução cultural" para funcionar em mercados específicos.
Dados suportam essa tendência. Um relatório de 2023 do Kantar Insights destacou que campanhas que combinam elementos culturais locais com uma produção de qualidade global têm “27% mais probabilidade de gerar um crescimento significativo de marca”. Mas também é verdade que campanhas que incorporam nuances locais podem aumentar a sua eficácia.
O que esses casos nos ensinam? Que a multipolaridade não é uma ameaça, mas uma oportunidade criativa. Ela exige uma postura de humildade e curiosidade. Não se trata mais de "exportar" uma campanha, mas de "co-criar" com cada contexto. O desafio deixa de ser técnico e se torna, sobretudo, cultural e empático.
Parece frase feita, mas é preciso dizer: No mundo multipolar, a maior competência de um comunicador não é a de falar, mas a de ouvir. Ouvir as grandes narrativas do mundo e os sussurros das ruas. Quem dominar essa escuta dupla não apenas sobreviverá à transição, mas definirá o novo padrão de excelência na comunicação.
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Por Paulo Cezar da Rosa, CEO do Grupo Veraz
